sábado, agosto 27, 2005

CARRINHO DE FEIRA


Na noite negra
de madrugada fria
ouço o rolar.
Como se na caatinga
o carro de boi viesse
com muito gás no "cocâo"
a cantar, cantar....
Qual nada,
era a roda
de um carrinho de mão
guiado por um menino.
Na cama quente, deliciosa
um copo de leite com espuma,
na rua,
o menino da feira
boca amarga
estômago vazio
a procura de dinheiro.
O carrinho enche
sua barriga ôca
abacaxis
mangas
laranjas
bananas
tomates,
e o menino aspira
seu almoçar.
Sem abacaxis
ele recebe
a cédula velha
de um cruzeiro
rasgada,
desvalorizada
e volta
em busca doutra carga
para aspirar
seu almoçar.
Depois,
volta pra casa
roda calada
denuncia a tristeza
do dono menino
do carrinho de feira.
Chl
Set/1978

quarta-feira, agosto 24, 2005

CAMINHO DA DROGA



Lembro da primeira vez que bebi pra valer, no dia do meu aniversário de 15 anos.Acho que bebi duas ou três doses de Ron Merino com Crush. Foi o suficiente.Fiquei completamente embriagado.
No carnaval, na sede velha do América Futebol Clube, levei uma lança perfume Rodouro, um recipiente de latão dourado, com um dispositivo na ponta para liberar o gás. Munido de um óculos de plástico, imitando o Ray-Ban americano, amarrado com um elástico para evitar levar um jato de lança perfume no olho.No meio do salão, pulando ao som de vassourinha, mirava nos olhos dos amigos e jogava perfume para atingir o olho e deixar ardendo o resto da tarde. Um amigo, um pouco mais velho do que eu, pegou no meu braço e falou,
-Não faz isso, não estraga a lança.
-Porque ? Perguntei.
-Coloca aqui na cortina que vou te mostrar pra que serve.
Shhiiii, ensopei a cortina, no canto do salão, na sede antiga do AFC, perto do corredor dos banheiros.Ele agarrou a cortina com as duas mãos e colocou no nariz, aspirando com toda força; fiquei assustado quando vi ele despecando com todo o corpo no chão. Imaginei: morreu.Logo logo, ele levantou e pulando alegremente no salão, me disse cheio de convicção:- É pra isso que serve.
Terminou o baile do domingo de carnaval e eu fui pra casa pensativo, querendo experimentar,mas com medo de desmaiar.Foi só o que deu. Parei no canto de um muro perto do seminário São Pedro, tirei o lenço do bolso e sapequei lança, até ensopar.Coloquei no nariz e logo tirei porque era gelado e eu não agüentava. Fui me acostumando, até que aspirei com todo fôlego. Escureceu tudo. Apaguei.
Quando acordei, minha cabeça doía muito e meu Deus, eu estava todo mijado.Passei a mão na cabeça, tinha um galo enorme.Quando cheguei perto de casa, todos estavam na calçada pra ver os papangus que passavam e o corso dos blocos. Entrei correndo e cantando tanranranran, o frevo vassourinha,direto para o banheiro pra ninguém notar que minha bermuda estava toda molhada de mijo.
Depois de algum tempo, já acostumado com a bebida alcoólica, já tomava Rum com coca-cola, cerveja e um pouco de aguardente, resolvi inventar de fumar.Comprei uma carteira de Cônsul, porque tinha um gostinho refrescante, e eu tinha que mostrar que tava virando homem, pois meus amigos todos já fumavam.Não me dei bem com o cigarro, na metade da carteira, dei a primeira pessoa que encontrei na rua; a partir desse dia eu não mais suportei cigarro e se colocasse um na boca, passava o resto do dia cuspindo.
No limiar da década de 70, eu já bebia tudo, e tomava muito porre de lança, só não conseguia fumar, mas não me incomodava se alguém fumasse do meu lado.
Um certo dia já com muito uísque na cabeça, me apresentaram um cigarro de maconha, duvidei pelo fato de não gostar de cigarros, mas encarei. Peguei o bicho na ponta dos dedos, tentando imitar os outros, e enchi a boca de fumaça, sem saber se engulia, soltava, ficava esperando desaparecer por si só, até que tive um acesso de tosse e soltei tudo. Escutei os comentários: - Esse cara é careta , é sujeira,melhor deixar pra outra hora. Confesso que depois me acostumei, só não aprendi a tragar até hoje, tampouco falar com o peito cheio de fumaça.
Bebia praticamente todos os dias e na época de férias, de final de ano,então o consumo era dobrado. Um belo dia apareceram dois caras vindos do Rio, com uns papelotes de cocaína; eu nunca tinha visto como era.Depois de muita conversa, resolvi comprar e experimentar.
Era feito todo um ritual, espelho debaixo de um abajur, lâminas de gilete para estirar as carreiras e uma cédula de dólar enrolada feito um canudinho para aspirar. Observei como era feito e em seguida coloquei o canudinho no nariz e aspirei a carreirinha de pó.Não senti absolutamente nada a não ser um gosto de tinta na boca e fui aconselhado a passar as sobras do espelho nas gengivas, como se joga o resto das hóstias no cálice de vinho.Saímos pra farra.
No dia seguinte eu fiquei pensando durante muito tempo.Jamais tive uma sensação tão boa em toda minha vida. Era como se todos os problemas não existissem mais, e toda euforia e alegria tomava conta de você.Resolvi que decididamente não queria mais aquilo, pois sabia que não era real, era fictício e perigoso e numa atitude sensata de equilíbrio abandonei para sempre, algo que eu achei fantástico.
Fiquei apenas bebendo muito e no carnaval continuava cheirando lança; na ressaca tomava gluco-energan com fostimol e energisan (nem sei se ainda existe hoje), a noite tomava reativan pra aguentar o repuxo do baile do clube.
Sobrevivi, hoje tomo cerveja gelada e de vez em quando tomo uma meladinha com caldo de dobradinha no Beco da Lama.
                 Frei Carmelo
                   Ago/2005