quarta-feira, janeiro 20, 2016

CARTAS DE BERTENIO II

Chaguinhas,

Hoje a notícia não é muito boa, mas mexeu muito com a população de Santa Cruz e deixou muita gente consternada.
Houve um lamentável assassinato, resultante de uma briga de dois agricultores aqui do município.

João do Inharé voltava da feira junto com Bondade, passaram na casa de Chico Bento, no final da rua que você morava, a Ferreira Chaves, para uma prosa com o pessoal que também vinha da feira , tomaram umas bicadas de cana e seguiram viagem.

Passaram pela casa do finado Antônio Henrique de Medeiros (Antônio Calixta) e Dona Maroca, no Alto, onde mora Clodoval, falaram com Luzia que tava na calçada e acenaram para Biluca, que tava sentada num canto do corredor, arrancando os cabelos, um por um e rindo ; passaram na frente da casa de Antônio Justino (Piçoca) e seguiram para a Malhada Grande, pararam na Braúna da Mijada, perto do cruzeiro, cheio de bonecos, pés e braços de madeira, das promessas do povo e subiram a ladeira da casa de Ascendino do DNOCS.

Quando passaram na casa de Ascendino, já existia uma discussão. Diz Carrapeta, vaqueiro de Clodoval, que eles começaram a discutir quando saíram da Braúna da Mijada. Pacote, que estava na beira do rio , pegando umas piabas, ouviu também os dois falando alto. Ascendino tava na calçada, acenou pra eles e só Bondade respondeu, João nem olhou pra ele.

Pois bem, seguiram na estrada do Imbú, atravessaram a estrada que vai pra Currais Novos e pegaram o rumo do Inharé. Sei desses detalhes, porque como Delegado Civi, colaborei com a polícia, a pedido do Tenente Bento de Medeiros, Delegado da cidade. Ainda perguntei à Maria Freire, do Imbu, se ela tinha visto alguma coisa, mas ela não sabia de nada.

Por volta das quatro horas da tarde, chegou um rapaz num cavalo na delegacia e comunicou ao delegado que seu Bondade estava morto na estrada do Inharé, com umas pauladas na cabeça. 

Depois dessas informações que foram colhidas das pessoas que tinham falado com os dois, o Tenente Bento, foi pessoalmente com dois soldados, prender João, na casa dele. João se entregou sem resistência e se mostrava arrependido, pois o efeito da cachaça estava passando. Chegou na delegacia já era boca da noite, mandou chamar meu irmão Severino Dobico, que era o carcereiro e trancafiou o criminoso.

No dia seguinte, o Tenente Bento de Medeiros, mandou João colocar o caixão com o corpo do finado Bondade na cabeça e levar sozinho até o cemitério. Saiu da cadeia, entrou pela rua do Riacho, passou do lado da casa que você nasceu, na esquina da Ferreira Chaves, do lado da casa de Joaquim Pintor, pai de Severino da Burra,onde tem um pé de Flamboyant, que tá florido, na casa de dona Titi, engomadeira, pela usina e subiu a ladeira da maternidade até o cemitério, onde colocou o caixão na cova, com a ajuda do coveiro, mas enterrou sozinho. 

Por hoje é só isso, não é uma boa notícia, mas você precisava saber.
Todos nós ainda estamos chocados.

Grande abraço do sempre amigo,

Bertênio.

segunda-feira, janeiro 18, 2016

CARTAS DE BERTENIO

Gostei tanto dos escritos do jornalista , meu amigo e conterrâneo Rosemilton Silva, com suas conversas com a cumade Maria Gorda, Michael, Gonzaga e outras figuras folclóricas de Santa Cruz, que resolvi escrever cartas fictícias como se fossem as cartas que recebia e escrevia para Berthênio.

Berthênio era como eu chamava meu querido amigo, José Piscínio de Oliveira ( Zé Dobico),de Santa Cruz, que trocava correspondências comigo, nos idos de 1965/66, quando eu era estudante no Rio de Janeiro.

Querido Chaguinhas,

Aqui está tudo bem, todos com saúde, graças a Deus, só a minha responsabilidade que aumenta, cada dia , mais.
Como você sabe, sou quase vizinho de Dr. Aldo Pessoa, Juiz da nossa cidade, que você conhece muito bem, até mais do que eu.
Pois veja você, Dr. Aldo, quando não está no carteado lá no clube, no jogo de Belízio, junto com Miguel Farias, Pitico, Antônio de Hosana, Zéluce, Josias Azevedo, Zé Aurélio, está em casa, aqui na praça e não aceita barulho de tamanho nenhum , no toca-fitas dos carros. Ontem esteve aqui na minha casa e deu uma ordem:
- Você , seu José Dobico, como Delegado Civil , tem o dever de coibir esse abuso, dos rapazes nos bares, com o som do carro muito alto.
Eu respondi na hora,-Pois não excelência, vou tomar minhas providências.

Chaguinha, hômi de deus, primeiro, procurei saber o que mulesta era "coibir", que eu soube que era "empatar" os meninos de fazer zoada, depois fiquei até de noite, na hora que eles encostam no Bar do Ponto, para tomar minhas providências.

Você sabe que eu só permitia você , naquele fusca branco, fazer uma zoadinha, pequena, aqui na frente, primeiro porque é filho do meu compadre Lourenço, que além de ser meu amigo, foi meu hóspede, quando era solteiro e depois porque você namorando com a filha do Juiz eu tenho mais moral pra dizer a ele, que é gente de casa, mas outros cabras, principalmente de fora, não vou permitir.

Pois num é que ontem de noite, eu já tava quase cochilando, quando chegou correndo, aqui em casa, Caldo de Batata, filho de Dr.Aldo, dizendo que tem uma Kombi, com placa de Cuité, com o som nas alturas, em frente ao Big Bar, o bar dos meninos de Barros Pretos de Lajes Pintadas.

Imediatamente mandei Neífe que estava conversando aqui na calçada para avisar ao dono do carro, para baixar o som. Neífe, voltou e disse que o cara não ia baixar. Na mesma hora pedi a Neífe para ir até à delegacia  falar com o Capitão Pereira, para enviar uma guarnição da PM.

Esperei uma meia hora e chegou Neífe com a guarnição na minha casa: O Sargento Pacheco, o Cabo Miguel e o soldado Andorinha. Eu imaginei na minha cabeça, "agora vai".
Na frente do pelotão me dirigi para o bar, passei na frente da casa do Juiz, ele estava sentado na sala, esperando o resultado. Lá em casa, Mariinha foi tomar uma garapa de rapadura, pra se acalmar e Do Céu, sua querida amiga, ficou olhando na janela, agarrada com um terço, rezando.

Quando cheguei lá, dei a ordem, -Baixe o som do carro ou faça o favor de se retirar, que está perturbando a ordem pública. O cabra perguntou:
- E quem é o senhor, com essa autoridade toda ?
-Sou, José Dobico, Delegado Civil da cidade e estou com uma guarnição da Polícia Militar. Aí, tomei um susto quando Pacheco gritou:- Sentido, apresentar armas, para Cabo Miguel e Andorinha, um com um revólver 32 e o outro com um cassetete.

Foi quando, para minha sorte, o cabra falou, - Ah! seu Zé Dobico do hotel, sou filho de Ascendino de Cuité, que conhece o senhor e se hospeda lá quando vem fazer negócio aqui. Vim deixar um dinheiro de agave e aproveitei pra tomar uma aqui no bar, mas já tou indo embora.
Aqui sim, tem moral, lá em Cuité é uma esculhambação, a zoada dos carros nas bodegas.
Foi-se.

Do Céu manda lembrança e está lhe esperando pra tomar o cafezinho que você gosta. Receba meu abraço e fique com Deus.

Seu sempre amigo,
Berthênio.


domingo, janeiro 17, 2016

A VIAGEM DE GERALDO COSTA.

José Ferreira de Medeiros, Zé Dadá, era farmacêutico e foi vice-prefeito de Santa Cruz, quando o prefeito era João Bianor Bezerra.
Casado com Tereza Medeiros, Zé Dadá era o pai de Carluce Medeiros, Celúzia , Joseluce, Feluce e Celuta e morava na Praça principal da cidade.
Feluce Medeiros, assumiu a farmácia de Zé Dadá e dirigiu por muitos anos.
Casado com Ana Maria Damasceno, filha do comerciante Zé Dadão, que era uma das moças mais bonitas de Santa Cruz.

Vizinho de Sebastião Rocha, Bastião da Farmácia, na Rua Grande, Feluce começou a sentir o peso da concorrência.
Bastião chegava cedinho na farmácia e só saía quando anoitecia, trabalhava muito, permanentemente com um charuto na boca, ora fumando, ora mastigando, ele consumia uns três ou quatro por dia.
Atencioso, muito trabalhador, profundo conhecedor do ramo que trabalhava, Bastião foi tomando conta da freguesia.

Um belo dia, Feluce resolveu se desfazer do negócio. Ana Maria tinha um comércio de confecções, bem movimentado na praça.
Ele tinha uma propriedade no Catolé e resolveu investir lá. Foi ao BNB, para fazer um financiamento para o sítio. Fez o projeto, levou toda a documentação necessária e pediu o empréstimo.

O banco, como é de praxe, colocou o projeto para análise e indicou um fiscal para visitar a propriedade, Cordeiro.
Cordeiro pessoa muito querida na cidade, foi à praça de carros de aluguel, para alugar um carro, e fazer a vistoria do sitio ; escolheu o jeep de Geraldo Costa. Acertaram tudo para no dia seguinte cedinho fazerem a viagem.
No outro dia, logo cedo, Geraldo tomou um café no Galego da praça, para colocar os assuntos em dia e foi para a casa de Cordeiro, que era vizinha ao banco.

Cordeiro já estrava pronto. Perguntou:
-Seu Geraldo, quer tomar um café? Não, obrigado, já tomei no café do Galego de Noêmia, respondeu Geraldo.
Galego era filho de Noêmia e Luiz Dadá, primo legítimo de Feluce.

Entraram no jeep e saíram. Cordeiro puxou logo assunto:
-O senhor conhece bem a região ?
Geraldo deu uma risada gostosa e disse :- Doutor Cordeiro, eu sou daqui, da família Costa, que tem terras no Araraú, Baixio do Roçado, Oiticica, Pedra Grande e Tanquinhos, até o Pau de Leite, divisa com Sitio Novo, tudo "anêxo" da região que nós vamos.
Geraldo viu que Cordeiro ficou boquiaberto com o conhecimento dele, aí apurou-se.
- Nós vamos pela Terra Firme, que é na entrada da Furna, mas entro pelo açude do Alívio, passamos na Glória, perto do Imbu, entramos no Feijão de Dr. Paulo Galvão, casado com dona Cleonice, filha do Desembargador Tomás Salustino , aí chegamos em São Joaquim, do Major Dedé, José Henrique Dantas de São José de Mipibú, mas quem toma conta de lá é dona Zuleide, filha dele e o gerente é Inácio Gouveia, o vaqueiro é Zé Malhada e quem faz as selas e os arreios lá, é Catoco.
Cordeiro ficou impressionado com tanto conhecimento.

Geraldo continuou falando da região:
- Depois de São Joaquim tem os Angicos de Mário Dantas, primo do Major Dedé e a Pedra Bonita , onde moram , Miguel Vicente e Severino Machado, mas antes, tem o Catolé, para onde nós vamos.
- Então vai ser fácil essa vistoria, disse Cordeiro, você conhece tudo. Você conhece bem a propriedade de seu Feluce ?
- Como a palma da mão, respondeu Geraldo.
- E é grande, insistiu o fiscal.
- É grande, doutor.

Depois de passar em todos esses lugares, finalmente chegaram no Catolé.
Passaram em frente a casa de Batista e entraram à direita em direção ao sítio, quando logo na frente apareceu a porteira. Cordeiro desceu, abriu a cancela e imaginou, "vou passar o resto do dia aqui, ele disse que o sitio era enorme".
Quando voltou para o jeep, Geraldo engatou a primeira, fez uma curva numa estradinha estreita, desceu uma ladeira e quando subiu em outra, apareceu outra porteira. Cordeiro já ia descer para abrir quando Geraldo, com um arzinho de riso, disse:- Pronto, terminou a terra.
- Ôxente, você não me disse que a terra era grande .
Aí Geraldo, em cima da bucha, confirmou:
- E é, pra baixo, vai bater no Japão.