segunda-feira, julho 30, 2018

MIGUEL CURY E ESTHER.

Aos domingos, após a missa, Miguel Cury, que morava na esquina da Praça Coronel Ezequiel, com o Beco das Almas, em frente a casa de Furtado, costumava colocar sua cadeira na porta de casa pra trocar uns dedos de prosa com os conhecidos que vinham da igreja e passavam por ali.

Um belo dia, Esther já estava providenciando o café da manhã e foi verificar se os filhos já estavam acordados. Jumar, Margarida e Cacá, já eram casados não moravam com eles, mas, Terezinha, Alda, Glaucia, Gésia e João Marcondes moravam lá. Encontrou as meninas todas prontas, mas João Marcondes não estava no quarto e nem na casa. Ela preocupada, mas sem falar nada foi para a sala e ficou junto de Miguel Cury, vendo se passava algum conhecido.
Passaram alguns e ela perguntava, "Fulano você viu meu filho, João, por aí ? "
Ninguém tinha visto, até que vem passando Expedito Trocador , que era comerciante ambulante e andava por toda a cidade e conhecia todo mundo.
- Expedito, por acaso, você viu João por aí ? 
Expedito olhou pra ela com a cara meio sem graça e disse baixinho:
- Hoje eu não vi não senhora, mas ontem de noite ela estava na casa de dona Maria Gorda, sentado numa banca tomando umas Brhamas, disse isso e foi saindo de fininho pra evitar as próximas perguntas.
Imediatamente Esther virou-se para as meninas e perguntou, falando alto,"Alguém sabe onde é a casa dessa dona Maria Gorda ?"
Terezinha que estava próximo, disse:-Mamãe , dona Maria Gorda é dona de uma casa de mulheres lá no baixo meretrício.
-Ai meu Deus, gritou Esther, você está ouvindo isto Miguel ? Valha-me Santa Rita de Cássia, eu vou lá agora mesmo.

Miguel Cury com aquele jeitão tranquilo, homem experiente, olhou pra ela e disse: -Tenha calma Esther, ele vai aparecer, e acho melhor você não ir.
- Eu vou, gritou Esther, ele é meu filho e ainda é um menino e já anda perdido nesse meio de mundo, eu vouuu.
-Esther, Esther, acho melhor você não ir.
-Por que eu não vou, por que você tá dizendo isto ?
- Esther, Esther, eu estou avisando, dizem que lá é muito, aí você vai até lá, gosta e quer ficar e em vez de um , ficam dois.
Nesse instante o portão de trás da casa abre e João Marcondes entra desconfiado e vai pro quarto.
- Mamãe, João chegou, gritou Alda.
Esther que já estava pronta pra dar uma resposta à Miguel, entra e vai conversar com o filho e a paz voltou a reinar na casa da família Cury de Santa Cruz.

Chl
Jul/2018

sábado, maio 05, 2018

A TABOCADA

A TABOCADA

O ano de 1991 foi de seca no Rio Grande do Norte e afetou profundamente a agricultura e a pecuária. Eu havia deixado uma missão no Governo do Estado e retornei às minhas atividades na fazenda e nos negócios comerciais.
Em 1992 , iniciei uma compra de gado em outros estados porque ampliei meus negócios de venda de boi para abate. O meu gado e o que comprava na região não supriam o comércio local, ainda sofrendo os efeitos da estiagem e sem perspectiva de um ano melhor para a criação local.

Todos os dias da semana eu estava no matadouro pesando gado em Santa Cruz e uma vez por semana em Tangará.
Pedrinho, Elino, Francisquinho, Paulo de Irineu, Antônio do Açougue, Fernando, Luiz Bino, Abel, Nêgo Chato e outros marchantes, eram os compradores.

Um belo dia eu estava no matadouro , já tinha passado na casa de Isabel, que mamãe chamava Mistral, porque ela gostava deste perfume, e vim com Montilla, filho dela para a matança. Os marchantes começaram a abater os bois, que vinham de Araguaína ou de Colinas, no Tocantins. Quando entravam no salão de abate, como eram muito ariscos, se não estivesse laçado tinha que ser abatido a bala com um rifle 22, e eu pedia pra Zé Tororô , que era um grande atirador, para abater o animal. Os magarefes já estavam amolando as facas, Calango, Baidé, Bitonho, Birino, Claudio e outros.

Enquanto preparavam o boi para a pesagem eu ficava conversando com as pessoas que frequentavam o local. Encontrei Ana de Hominho, Tricola, Zé Romão, Raimundo Preto, João Nazario, Dr. Eugênio que atestava a sanidade do gado e Mané Pataca que ia pesar um gado da Boa Vista.

Severino de Gustavo, que era criador e comerciante de gado, chegou na conversa e falou:
- Chagas, compre meu gado. Agora só vendo se for todo, não fica nem o boi da carroça e você só me paga no dia primeiro de janeiro do próximo ano.
Severino era homem sabido e ganhava muito dinheiro em negócios e adorava quando dava uma tabocada num.
Eu olhei pra ele, meio desconfiado e disse:-Severino, Severino, o que é que você tá aprontando pra cima de mim ? "É sério" , ele respondeu.
Ele me puxou pelo braço e desafiou:- Compra ou não compra ? Se compra vá lá em casa domingo que o gado tá preso no curral.
- Eu vou, respondi.

Domingo, logo cedo, peguei Chico Bernardo e Ciço Maturi e fomos pra casa de Severino, nos arredores de Bonsucesso. 
O gado estava no curral e ele estava sentado do lado da cocheira, esperando.
- Quer um café ou beber alguma coisa ? Ele perguntou.
- Obrigado, respondi, quero olhar o gado.

Eram 27 reses, um boi manso, um touro, umas vacas paridas e um gado solteiro. Perguntei :- Quanto é o gado ?
- Dez milhões de cruzados.
- Ah! você queria só que eu viesse lhe visitar, né ?
- Bote preço, ele disse. 
Chico Bernardo pegou no meu braço e disse:- Vamos embora que aqui você não faz negócio, ele é sabido demais e eu sei que você não é besta.
- Eu vou botar sete milhôes, se ele topar eu vou arriscar.
Chico disse:- Agora você endoidou de vez, ou homi de coragem.

Voltei ao curral, examinei o gado, fiz o preço aproximado do dia e vi que a diferença era grande demais. Eu pensei "vou arriscar".
- Eu dou sete milhões no gado, é o preço de uma Fiorino nova. Apontei pra Fiorino da Fiat, que era o carro que eu estava.
- Tá pouco demais, ele gritou e deu uma risada.
- Então até logo meu amigo, foi um prazer lhe visitar, eu disse.
- Tenha calma homi, venha tomar um café. Bote mais um pouquinho que eu vendo, que eu sei que você é homem de negócio e de palavra.
- Vou tomar seu café, mais não dou mais nem um centavo, se quiser pegar na palavra, pegue, que eu não sei mais nem o que é que estou fazendo, falei pra ele.
- Pois então tá vendido, ele disse com cara de satisfação.
" Me lasquei" eu pensei na hora, mas sou um homem de negócio, seja o que Deus quiser.

Entreguei pra ele um cheque Azul da Caixa Econômica de Santa Cruz, tomamos o café e fomos embora. No dia seguinte logo cedo mandei o transporte pegar o gado. Severino entregou o gado e veio direto pra agência da Caixa, falar com Sérgio que era o gerente. 
-Sérgio, recebi esse checão do dr.Chagas Lourenço, para o dia primeiro de janeiro, posso ficar sossegado ?
- No dia primeiro não, porque é fechado, mas no dia dois, pode vir que, tendo dinheiro ou não, eu pago o cheque, respondeu Sérgio.
Ele botou o cheque no bolso e desceu para o mercado. Foi nos marchantes mostrou o cheque, deu uma risada e disse bem alto:
- Taí, um doutor, estudou no Rio em São Paulo e levou uma tabocada grande, mas é grande, do matuto véi lá de Bonsucesso.

Quando ia pra fazenda, passando na rua Paulo Afonso, ouvi um grito me chamando e parei pra ver quem era, era meu primo Quinca de La Paz, comerciante no Paraíso.
- Chagas meu fíi de Santa Rita, como é que você faz uma loucura dessas,homi ?
- O que foi que fiz quinca ? Perguntei.
- Hoje de manhã no mercado só se ouvia as risadas de Severino de Gustavo dizendo que deu uma tabocada num doutor, que estudou fora, um homem sabido e era você.
- Quinca, eu estou arriscando, mas eu estudei pra isso, com a crise que o Governo Collor está vivendo, a chance de a inflação aumentar é muito grande e se aumentar, como  imagino que vai, eu ganho dinheiro.
- É , eu não acredito não, mas você é quem sabe. Santa Rita lhe proteja, disse meu primo Quinca.

No final de Dezembro, eu já tinha providenciado o dinheiro para cobrir o cheque no início de janeiro, e estava na Malhada Grande quando chega Severino.
- Como vai Chagas, tudo bem, tá mangando do tempo né ? diz ele.
- Vou atravessando como todo agricultor dessa região, mas dá pra ir escapando. A que devo a honra da visita ?
- Eu trouxe o seu cheque pra trocar por aquela vaca preta mestiça do chifre curto, que é boa de leite, quero levar ela pra casa.
- Quanto me volta ? Perguntei.
- Mas homi, você me matou , o meu gado todinho num vale nem essa vaca ?
- Eu não lhe matei, até porque gosto muito de você, mas vamos dizer que você se suicidou no negócio, pra não se falar em taboca. Mas meu amigo, a vaca é uma das boas que tenho aqui e eu não quero me desfazer dela, me desculpe.

Severino dobrou o cheque botou no bolso, acelerou a moto e foi embora.
No dia dois de janeiro amanheceu na Caixa e logo cedo levou o dinheiro.

Chl
Maio/2018

sábado, janeiro 20, 2018

TOMADA DESLIGADA

O senador Geraldo Melo comprou um computador Plugtech, top de linha, o melhor produto da empresa. A compra foi feita diretamente ao proprietário da montadora , Francisco BARBOSA Mendonça, Novinho, que era muito amigo de Geraldo.
De manhã cedo,por volta de oito horas, Geraldo se dirigia para o seu escritório, que foi construído, no mesmo terreno, ao lado de sua casa na Rua Lima e Silva, em Natal. Quando estava na cidade o escritório era usado para seus trabalhos pessoais, reuniões e para receber amigos. Todos os dias ao chegar no escritório ele ligava o computador e passeava pela internet para ver o noticiário da grande imprensa do Brasil e do exterior e ver o que acontecia no estado através do noticiário da imprensa local.

Um certo dia ele entrou no escritório, Marluce Arruda, que era secretária, já estava lá com a agenda do dia. Após examinar a agenda , dirigiu-se para o computador, PLUGTECH, novo em folha e acionou o botão "power" para ligar, sentou e aguardou aquela iniciação que todo equipamento faz quando é ligado.
Esperou, esperou, nada, tudo preto.

Neste dia ele estava bem tranquilo, virou-se pra Marluce e falou:
- Marluce, ligue aí pra Novinho que o Top de Linha dele tá preto que é uma beleza e não aparece nada.
Marluce imediatamente localizou Barbosa através do celular e transferiu a ligação.
-Bom dia Senador, mande as ordens.
- Novinho, aquele seu computador deve ter amanhecido hoje com raiva de mim, porque eu liguei o bicho e ele tá preto de tudo, não aparece nada.
- Nem uma mensagem de erro, Senador ?
- Nada, sabe o que nada, é o que aparece nele, absolutamente, nada.
- Fique tranquilo, vou resolver isto imediatamente, se não resolver mando outro novo.

Barbosa desligou o telefone, pensou "meu computador se acuar logo na casa do Senador, que é exigente com o seu equipamento", imediatamente ligou pra fábrica em Macaíba e mandou chamar o supervisor de montagem, que era um argentino e entendia tudo de computador. Ordenou :
-Largue tudo que estiver fazendo e corra pra casa do Senador Geraldo Melo , pois o equipamento pifou e a tela tá toda preta. Resolva e me dê notícias, se não conseguir resolver entregue um equipamento novo e testado, pelo amor de Deus. 

O argentino entrou no carro com um computador novo, na caixa, e tocou pra Natal, o mais rápido que podia. Chegou na casa de Geraldo e foi direto para o escritório.
-Bom dia senador, o que houve ?
- Taí pode ver , você liga o botão e não aparece nada, tudo preto.
- Com licença Senador. 
Apertou o botão e nada.
- Vou verificar a máquina aqui atrás.
Abaixou-se, como que vai abrir o computador, pegou o fio e colocou na tomada.
-Tente agora Senador.
Geraldo ligou o "power" e a tela brilhou e começou a aparecer tudo.

O argentino com ar de técnico especializado, disse :-Quando o senhor vou usar o equipamento, antes de ligar o botão de "start", ligue a tomada da energia, senão não sai nada.
Geraldo deu uma risada, pediu desculpas e disse:- Acostumado com os outros aparelhos que estão sempre ligados, esqueci da tomada.

Ligou pra Novinho e deram boas risadas .

Chl
Jan/2018