sexta-feira, março 28, 2008

BÊBADOS DE SANTA CRUZ

Coreto da Praça da Matriz de Santa Rita na Rua Grande


Quando criança em Santa Cruz, ouvia-se sempre falar nas peripécias de fulano, de sicrano, geralmente tomadores de cachaça, boêmios etc..

Lembro do velho Pajeta, um negro descendente direto de escravos africanos, que fazia trabalho braçal para comprar a comida, porque a bebida, recebia de graça, quando cantava côco de roda.

Gero boná
côco sinhá..

Era o refrão do negro Pajeta, quando improvisava umas rimas para alegrar os frequentadores de bares, geralmente proprietários rurais que vinham para a feira de sábado em Santa Cruz.
Era um negro honesto e tabalhador, gostava muito de beber, mas, todos gostavam dele.

Por volta de 1957, com oito anos de idade, ia com meu pai, Lourenço, na casa de Pedro Aleixo que era uma pequena fábrica de alpercatas e chinelos de couro e solado de borracha de pneu. Lá encontrava um artesão que media meu pé, para fazer minha alpercata: Era Déo.
Com o passar do tempo e o comércio crescendo, os mascates começaram a trazer para a feira, sapatos industrializados, fabricados em Campina Grande e no Recife, que foi acabando com as sapatarias artesanais da cidade. Déo, deixou sua arte e já como Fogão, começou a sobreviver de bicos e a tomar cachaça.
Um belo dia, Fogão caiu na rua bêbado e foi levado pela polícia, para o xadrez. Depois de algum tempo, quando passou o efeito da cachaça,que ele se deu conta que estava preso, perguntou que crime havia cometido e lhe disseram que era apenas porque bebeu demais. Ele passou a chorar copiosamente, envergonhado por ter sido preso, o que deixou constrangido o próprio delegado.
A partir deste dia, quando Fogão se embriagava demais, corria pra delegacia, afim de se entregar, para nunca ter o constrangimento de ser preso, sem cometer crime.

Este mesmo fato aconteceu com "Seu Inácio", que era um aposentado rural que vivia na bodega de Chico Bernardo e que só bebia de copo cheio. Um dia caiu, bêbado no mercado e acabou dormindo no xadrez. Por conta disso, passou dois dias no roçado, só bebendo água, sem comer, com vergonha de vir à cidade, com a desonra da prisão.

Lá do Açude do Alívio, todo sábado, chegava cedo em sua bestinha, talvez o mais famoso bêbado de Santa Cruz : "Ciço Caé".
Um dia, final de feira, Caé passando pela rua da usina, foi para a mercearia de Neno Medeiros,na esquina, já a caminho de casa, pois ele ia pela rua Caminha Fiúza, passava na Braúna da Mijada e lá na parede do açude novo , pegava a vereda para o Açude do Inharé, onde morava, numa ilha no meio do açude. Chegando no bar, Neno estava colocando álcool em um buraco na parede, que era um ninho de "rato catita", em seguida riscou um fósforo. Havia uma ninhada recém nascida de ratinhos que sairam correndo chamuscados. Caé, já estava no balcão com um copo meio de cachaça, imediatamente pegou um ratinho novo queimado, deu uma dentada e engoliu com cana e ficou lambendo os beiços. Neno, que via estupefato aquela cena, correu para o beco e vomitou o almoço todinho.
Caé, era outro que não gostava de ser preso.. Quando diziam que a polícia vinha buscá-lo, ele prontamente se dirigia para o quartel, descendo a rua Antonio Henrique, bolando pelo chão, até a porta da delegacia e dizia que vinha se apresentar. Ficava lá algumas horas até desanuviar a cabeça e partia pra casa, com a feira na garupa da bestinha. Quando chegava na beira do açude, Caé colocava a feira na sela, se agarra no rabicho e a besta rebocava ele pra casa nadando.
Manoel Lourenço, meu primo Mané Fava, tinha um retardamento mental e gostava muito de cachaça,era zuadento e encrenqueiro, reagia aos gritos, as brincadeiras,geralmente de crianças. Quando era ameçado de ser mandado pra cadeia, dava uma carteirada.
-Não vou preso não,que sou primo de Chagas Lourenço,e moro na casa dele.
Não tinha nenhum efeito prático,mas para ele, era um Habeas Corpus.
Um dia, chegando cedinho de Natal, encontrei Mané tendo convulsões, no alpendre. Imediatamente, mandei-o para o Hospital Ana Bezerra, onde veio a falecer, com traumatismo craniano. No dia anterior, foi empurrado e bateu com a cabeça em um meio fio da rua Grande.
Podia falar de muitos outros, como Lola, que imitava um trombone de vara com a boca,ou Ediseu, grande pedreiro, calmo, de fala mansa, que enveredou pelo alcoolismo.
Todos eles tinham características em comum, a honradez e honestidade, detestavam a cadeia, pela desonra de ser preso e beber e cair na rua, pra eles, não constituia crime.

Chl
Mar/2008

OUTONO


Pensei em falar de flores
neste início de outono
sem tristeza e abandono
prefiro falar de amores.

As vezes sentindo saudade
as vezes curtindo dores
olhando no mundo as cores
vivendo com tranquilidade.

Carregando muita lembrança
sempre cheio de esperança
vou levando a vida assim

Do modo que sempre fiz
pois desejo ser feliz
com o amor dentro de mim.

Chl
Mar/2008