sábado, julho 23, 2016

O LEILÃO DE SANTA RITA


Era um dia 22 de maio, dia de Santa Rita, feriado em Santa Cruz e dia do leilão da igreja e da procissão da Santa.
Lourenço que morava na casa da esquina do riacho com a Ferreira Chaves, pela manhã, mandou chamar João de Gan, que morava perto, para lhe pedir um favor.
-João, estou indo à Natal atender um chamado de Seráfico, para uma reunião no escritório de Nóbrega & Dantas. Hoje é feriado aqui, mas em Natal não é.
O que eu preciso de você é que me represente no leilão de Santa Rita, que todo ano eu dou um garrote e nunca, nenhum, saiu da fazenda porque eu mesmo arremato e é uma forma de contribuir com dinheiro para a igreja.
Tire por qualquer preço que quando eu chegar, acerto tudo.Vou fazer o possível para chegar na hora da procissão.
João, tirou o pente do bolso, penteou a cabeleira e disse:
-Pode deixar que eu resolvo.
Pegou no bolso a carteira de Continental, amassou na mão, tirou um cigarro, acendeu e subiu para o Mercado.

Próximo da hora do leilão, Mané da Viúva , já todo pronto, ia saindo de casa quando dona Rosa falou,"Manoel, arranje um peru pra gente comer hoje, que os meninos estão doidos pra comer peru, Romualdo já anda correndo dentro de casa gritando gulu, gulu.....
Mané virou-se e disse:- Deixe comigo. 

Chegou no Mercado, administrado por Anísio Carvalho e o gerente da cisterna, seo Badaneco, já estava tudo organizado e o povo começando a chegar e se sentando nas bancas para participar do leilão.
Pegou o microfone para testar, com a voz aguda e estridente e foi gritando:
-Bom dia, filhos de Santa Rita.

O leilão sempre começava com as doações de menor valor como, cacho de cocos,melancia, melão, cacho de bananas, depois entrava nas galinha, perus, bodes, ovelhas e finalmente nos garrotes. 
Mané,colocou o microfone em baixo do braço, bateu palmas bem fortes e aí um peru começou, glu glu, glu, ele imediatamente, aproveitando que ainda tinha pouca gente no local, pegou de volta o microfone e gritou:-Esse peru já tá fazendo zoada pra atrapalhar o leilão, quem vai primeiro é ele e é 50, quem dá mais ? ninguém ? dou-lhe uma , dou-lhe duas e dou-lhe três, vendido.
O povo ainda tava meio frio, ninguém se manifestou nem deu lance. Os olhos de Rosemilton, chega brilharam  a boca encheu d'água e ele pensando, "hoje depois da procissão, vou comer a moela desse peru. Mané, tinha arrematado o peru e mandou logo um rapaz que trabalhava no leilão levar na casa dele.

Mané da Viúva, foi o maior "chamador"de leilão que conheci em toda minha vida. Tinha uma voz aguda, estridente que nem precisava de microfone.
Dizia piadas, brincadeiras, dava "gaitadas"(risadas longas) , animava e levantava o astral de todo mundo que participava do evento.

O leilão transcorreu normalmente, com grande participação e chegou nos garrotes. 
-Um garrote, doado por Zé Lino da Baixa-Verde, João Umbelino do Chapado,Zé Dantas do Mazaú, Benedito de Chana da Várzea Grande, Zé Carneiro da Pedra, Zé Tororô da Pedra,Afonso Boca Rica da Oiticica, Antônio Lourenço Maia do Araraú,Miguel Farias do Bom Jardim, Furtado da Ramada, Antonio Ferreira da Boa Vista, Zé Andrade da Jurema, Nilson Lima de Passagem do Meio, Chico Adriano do Cugi, Raimundo Galvão da Boa Hora, Miguel Cury de São João, Dr.Gentil do Umbuzeiro, Dr.Clodoval da Malhada Grande,João Lourenço de Santo Antônio, Severino Lourenço do Exu, Ivhaí Ferreira do Mundo Novo, Clovis Medeiros das Queimadas, Mário Dantas dos Angicos, Major Dedé de São Joaquim, Miguel Andrade de São Francisco....
E muitos outros, até que chegou em Lourenço de Santo Alberto, João de Gan ficou gelado.

Mané da Viúva gritava:-Um garrote de Lourenço, que hoje não está aqui, mas tem João de Gan, seu cunhado, para representá-lo. E aí João, quanto vale esse garrote, que já deve ser quase um touro ?
João acanhado, sentado numa banca, falou,"dou 100" e Mané,"100 ? é muito pouco, quem dá mais?
Miguel Farias que assistia e era um dos responsáveis pelo leilão, sabendo que Lourenço sempre arrematava os garrotes dele e para aperrear João de Gan, gritou: - dou 200.
Mané da Viúva deu uma gaitada alta e disse:- Êiitaaa, dobrou o preço. E agora João ?

João, tirou a carteira de Continental do bolso, amassou com a mão, várias vezes, tirou um cigarro, acendeu e falou baixo,"dou 300".
Antes de Mané da Viúva falar, Miguel Farias, gritou "dou 500".
Os garrotes eram arrematados em uma faixa de 150 a 300.
João deu um pulo da banca e disse;-Miguel você tá querendo esculhambar o negócio, eu vou é embora. E saiu.
Mané da Viúva arrochou o grito:-Lourenço dessa vez vai ficar sem o garrote, alguém dá mais ? Não? dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três, vendido pra Miguel Farias e o garrote vai comer capim agora na Fazenda bom Jardim.

Quando papai chegou de Natal, procurou logo João e foi dizendo,"quanto é que tenho que pagar do leilão?" João disse, "eu não tirei não, que ficou muito caro e Miguel Farias esculhambou o negócio, botando o preço lá pra cima.
Papai perguntou, "e o dinheiro era seu?"
Depois procurou Miguel, que disse que não queria o dinheiro, queria o garrote.
Eu mesmo entreguei um belo garrote Tabapuã, que ele usou como touro por muito tempo.

Chl

Jul 2016