quinta-feira, outubro 13, 2011

FILME NO RIO GRANDE


Era 1959, havíamos chegado de Santa Cruz para morar em Natal.Eu faria dez anos em Maio e Lourencinho nove, em Junho.
Seu Lourenço, meu pai, que era gerente da usina algodoeira de Nóbrega&Dantas em Santa Cruz, assumiu a diretoria financeira do grupo em Natal e trouxe a família para morar na cidade.
Nossa casa era na rua Campos Sales, esquina com Monsenhor Severiano, em Petrópolis.
Estudávamos os três irmãos, Jair, eu e Lourencinho, no internato Maria Auxiliadora, na Rua Apodi, a proprietária era Dona Isaura Arcoverde.
Meu grande sonho era ir ao cinema, pois o único filme que havia assistido no cinema foi em Santa Cruz e uma fita da péssima qualidade.
No primeiro domingo que passamos em Natal eu convidei Lourencinho para irmos ao cinema Rio Grande, que era na rua Açu, relativamente próximo de nossa casa.
Como íamos estudar em colégio novo, com farda diferente, Dona Marinete, minha mãe, comprou sapatos novos para acompanhar a farda nova.
O meu sapato era um Vulcabrás, com um número maior do que o meu, porque Mamãe dizia que, como estávamos crescendo o sapato serviria para o ano seguinte. Acontece, que para poder usar, era preciso colocar um tufo de algodão para encaixar o pé com firmeza.
Na primeira semana com sapato novo e um tufo de algodão, o resultado foi um par de calos nos calcanhares.
Mesmo assim, coloquei uma calça Faroeste(jeans) encarei o sapato novo, mesmo com os calos, chamei Lourencinho e rumamos para o Rio Grande, meio dia em ponto, com o sol de rachar.
Saímos pela Campos Sales até a Açu, viramos à direita, que era uma reta só, até o cinema;tudo isso pra não correr o risco de se perder.
Confesso que cheguei a duras penas, com o sol na cabeça e os calos nos pés, na calçada do Rio Grande.
Manoel Mantura era um baixinho, quase anão, confeiteiro que tinha uma banquinha na porta do cinema.Perguntamos que horas abria a bilheteria que estava fechada, ele respondeu:
-Só abre lá pras duas da tarde.
Ficamos sentados na sombra da marquise, apreciando um pequeno movimento de pessoas na Deodoro, no jornal A Ordem, da Diocese, na Praça Pio X e alguns frequentadores do Centro Cearense, na esquina da João Pessoa.
Não sabíamos sequer o nome do filme que passava naquele dia, eu queria era ver qualquer um.
O filme não devia ser muito bom, porque as duas horas em ponto abriu a bilheteria, para o filme das três horas, e não tinha ninguém pra comprar o ingresso.
Eu me aproximei da bilheteria e falei para uma senhora de meia idade, que vendia os ingressos:
-Dona, eu quero dois ingressos, quanto é ?
Ela levantou-se de um banquinho, colocou a cabeça bem próximo da entrada da bilheteria, olhou para mim e disse, meio ríspida:
-O filme é dezoito anos, né pra menino não.
Olhei desolado pra Lourencinho, que não entendeu nada e seguimos de volta pra casa, com sol na cabeça e calos nos pés.
Chl
Out/2011


Um comentário:

Rosemilton Silva disse...

Quem não viveu o drama de calos nos pés e sapato com tufo de algodâo? Você ainda deu sorte, foi "apenas" da sua casa ao Rio Grande. E eu!? Tive de andar uma procissão inteira de Santa Rita, entre Mané da Viúva todo de palitó branco e dona Rosa, vestido de tecido "fulorado", aqui e acolá ele me levantava e eu ficava suspenso pelos dois braços. Um abraço amigo.