sexta-feira, agosto 19, 2016

O MOTORISTA DO PADRE

Mosenhor Emerson Negreiros, foi pároco de Santa Cruz, por muitos anos. Foi responsável pela construção da atual Igreja Matriz, de Santa Rita de Cássia, edificada no mesmo local onde antes existia uma pequena igrejinha.
Tinha muitas atribuições na comunidade, além de administrar as capelas dos distritos vizinhos, como, Melão Japi, São Bento do Trairi, Campo Redondo, Lajes Pintadas etc. Para isso utilizava um Jeep Willys, que percorria todas essas localidades, com o auxilio de um motorista, Veludo.

O padre tinha um grande envolvimento com a comunidade e participava de ações comunitárias como esporte, música , teatro e cinema. Reunia alguns jovens, no alpendre da Casa de Dona Júlia, onde hoje é o Bairro 3 a 1, para tocar sanfona, violão e cantar.

Veludo era seu auxiliar de todas as movimentações e viagens. Era um negro forte, alto, risonho e brincalhão, toda a cidade gostava de Veludo.

Em uma de suas folgas, avisou ao padre que iria com uns amigos para uma festa de rua , com barracas e leilão, em Campo Redondo.
Chegando na festa, sentou-se em uma mesa e imediatamente pediu uma cerveja, casco escuro e super gelada; já botando banca.

A cerveja chegou, começaram a beber, pediu mais outras, até que começou o leilão. A primeira galinha assada que saiu, Veludo arrematou, apenas levantando o braço, sem sequer saber qual o preço que estava. Continuou bebendo e arrematando, apenas as galinhas, que já somavam seis.

Já era madrugada, o leilão havia terminado, quando as pessoas começaram a ir pra casa e a festa dando sinais de terminar. Veludo , nessas alturas, já estava meio embriagado, mas bem consciente de tudo que se passava. Olhando para um lado da barraca, percebeu que a comissão do leilão estava passando nas mesas para arrecadar o dinheiro dos arrematantes. Veludo era um dos maiores.

Quando a comissão chegou na mesa vizinha, Veludo encheu um copo com cerveja, bebeu todo de um gole só, olhou para um lado e para o outro, revirou os olhos e caiu com o rosto em cima da mesa, quebrando garrafas, derrubando copos e o prato de farofa com os ossos das galinhas.
- Corre, corre, acudam aqui - gritava o chefe da comissão do leilão.
Veludo, babava, revirava os olhos, roncava alto e respirava agitado com dificuldade.
- Pega um carro e leva esse homem pra Santa Cruz agora, direto pra Maternidade (único hospital que existia), manda acordar Dr. Ferreirinha ou Dr. Demócrito para acudi-lo - ordenava Manoelzinho Norberto, tabelião.

Os amigos de Veludo que tinham fretado um jeep de quatro portas, para ir à festa, colocaram-no deitado no banco de trás e aceleraram para Santa Cruz. Depois da descida da Serra do Doutor, quando passou na Malhada Vermelha e entrou na curva do Riacho Fechado, de Joaquim Tavares e chegando na entrada para Lajes Pintadas, Veludo abriu os olhos e perguntou - Já passamos do Bento Nunes ? -Já, respondeu Meireles - já estamos chegando na entrada do açude do Alívio. Veludo levantou-se e disse:
- Vamos tomar a saideira lá em Maria Anjo, que eu faço um vale lá. Vou passar uns dois anos sem ir em Campo Redondo.

Todas as vezes que o padre ia pra lá, Veludo tinha febre, diarreia, dor de cabeça etc. mas pra Natal , não tinha doença que impedisse porque ele adorava a capital.

Mons. Emerson ia com frequência à Natal, fazer compras para a paróquia e resolver alguns assuntos da Diocese. Em uma dessas viagens ele pediu para veludo passar no Alecrim, na Igreja de São Sebastião, para trocar umas ideias com o pároco de lá. Entrou na casa paroquial, ao lado da igreja e Veludo estacionou o Jeep do outro lado da rua, na sombra de um "pé de fícus", em frente a uma padaria.

Eram quatro horas da tarde e Veludo já estava sentindo fome e sabia que só iria tomar uma sopa, mais tarde, lá nas Marias , depois da Reta Tabajara, pois o padre sempre parava lá. Justo nessa hora, a padaria começou a retirar do forno, o pão da tarde e o cheiro invadiu as narinas de Veludo, que encheu a boca d'água. Entrou na padaria, pediu um pão francês dos grandes, comprou 50 gramas de manteiga de lata de 18 kg, daquela que Dona Zefinha, vendia na padaria e Waldeci de Mário Pinto, vendia na feira, enrolada num papel celofane. 

Encoutou-se no pé de fícus e começou a comer o pão. Nessa hora, passou uma senhora, elegante, bem vestida e puritana, que devia ir para a igreja se confessar; olhou pra Veludo, com desdém e falou, em um tom grave:
- Devia ter acanhamento, comendo um pão no meio da rua.
Veludo, bem calmo, olhou pra mulher e respondeu :
- Eu vou bem alugar uma casa só pra comer um pão.

Chl
Ago/2016



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